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A mostrar mensagens de outubro, 2019
NUDEZ. Se você não me admira nua de títulos, de passado profissional e académico, de prémios e honras, de medalhas e de conquistas que me foram atribuídas por outras pessoas ou circunstancias, sob as quais eu tenho ou tive pouco ou nenhum controle, então, meu caro, sejamos sinceros, você não me admira.
MEDALHA - O QUE A MARATONA ME DEU. Quarenta e dois quilómetros correndo é muito tempo pra pensar. Pra pensar nos porquês. Pra pensar na jornada. Pra pensar no antes. Pra pensar no depois. Nos primeiros quilómetros, eu era só empolgação e na minha cabeça passava um filme rodado há muitos anos atras, quando eu não corria nem 700 metros. Meu ego e eu corríamos de mãos dadas. Eu seguia mais rápido do que nos treinos, imaginando ser imparável. Na metade da prova, pensei na jornada. Na consistência dos treinos, no comprometimento e nas concessões de tempo e de rotina que tive que fazer para realizar este sonho. A maratona não permite improvisos. O ritmo havia abrandado, eu já começava a me cansar, mas ainda seguia firme, orgulhosa e segura. Já no final da prova, bem cansada e ora correndo, ora andando, pensei em tudo que a corrida me deu: razoes para sair de casa e correr ao sol quando a solidão de estar em terra nova me convidava a ficar na sombra. A me fazer acreditar que eu podia, sim, d
FOG. Hoje eu acordei nublada. Neblina e chuva fina, daquelas que não molham mas esfriam e incomodam. Vendo o que estava próximo de mim, mas quase não enxergando alguns metros (ou meses) à frente. Acordei cinza e meu café tinha cheiro de saudade. Percebi as cores frias do outono, e tudo se preparando pra próxima estacão (ou próximas, que depois do inverno vem a primavera). Aquela sensação de estranhamento que sentimos depois que nos caem as folhas. Mas vi que amanha deve esquentar. E fazer sol de novo. Ainda bem.
Objects in mirror are closer than they appear. É Outubro Rosa, né? Faz o exame da mama, claro. Mas faz tambem o exame do espelho – se encara por 10 minutos. Voce com voce. Dez minutos inteiros, olhos nos olhos, sem roubar. Pára por um minuto pra lembrar quem é voce. Pensa em quanta coisa já realizou. Quantos pequenos sucessos já comemorou. A quantos fins do mundo já sobreviveu. Quantas vidas ja salvou, com um sorriso. Quantas vezes terminou o doutorado na vida do outro. Quantas vezes, togado, condenou e absolveu estranhos e conhecidos. Somos todos humanos, né? Tá tudo bem. Aliás, quer um conselho? Para tudo e vai se olhar no espelho. (Pensando melhor, se conselho fosse bom, a gente vendia).
AMO MUITO TUDO ISSO. Não sou escritora. Eu escrevo. São coisas diferentes. Escritor e profissão, escrever e vocação. Ainda que tivesse todo o dinheiro do mundo, toda a fama e todo o reconhecimento em qualquer profissão ou papel, ainda assim, eu escreveria. Ainda que ninguém lesse, ainda que ninguém gostasse, ou comentasse. Ainda que o caderno ficasse trancado no armário da cabeceira, eu escreveria. É na entrega de se fazer com paixão (tanta, mas tanta, que é quase uma obrigação) o que se ama que mora a verdadeira realização. Tem gente que ama o aplauso ou a recompensa. Eu amo o processo.
CLOSED CAPTION . Toda foto devia ter legenda. Toda pessoa devia ter legenda. Tanta coisa que não entendemos só de olhar, que não faz sentido na primeira impressão, ou que imaginamos estar lendo e compreendendo, estando enganados. Tanta confusão e julgamento precipitado (aliás, não é todo julgamento precipitado, por conceito?). Tanto passado que desconhecemos contido no presente de cada pessoa com a qual cruzamos. Somos todos enigmas – para nos mesmos e para os outros. Tanto tempo perdido tentando ler a carta sem abrir o envelope.
SAPATINHOS VERMELHOS. O dia estava lindo. O céu estava azul. Ela calcou seus sapatinhos vermelhos como de costume. Brilhantes, lustrosos, perfeitos. Mas apertados. Os pés doíam, inchados, e se enchiam de bolhas e calos. Por onde passava, recebia elogios: que sapatos tao bonitos! Como brilhavam! E aquele verniz vermelho? Como ela os tinha conseguido? Ela sabia que os sapatos machucavam, que seus pés haviam crescido, mudado. Mas ninguém mais. O resto do mundo invejava os sapatos dela. E, para não tirar os sapatos, tao lindos e dignos de tanto elogio, ela foi criando truques, subterfúgios. Primeiro, decidiu não se movimentar muito. Depois, pediu para sentar. E por fim, quando já não suportava mais as dores que o lindo sapato vermelho causava, como se não houvesse outro remedio, decidiu tira-lo. Que burrice- pensaram os outros! Que pés tao feios e machucados! Ela ouviu, se entristeceu e duvidou de si mesma -   por um segundo, até pensou em calca-los de volta, mesmo que doesse. Mas respi
CARTA À IRMANDADE DAS ULTIMAS A SEREM ESCOLHIDAS NA AULA DE EDUCACAO FISICA. Queridas meninas, como estão? Já se passaram alguns anos, não é mesmo? Como a vida as tem tratado? A coordenação motora melhorou? A minha, não muito. Quando vejo uma bola de vólei vindo em minha direção, ainda me escondo, mas não choro mais (a terapia tem ajudado). Lembram-se como a conversa era interessante no banco na frente da quadra? Ali, esperando a nossa vez, podíamos contemplar toda a graça e competitividade que emanavam dos superatleticos, aqueles deuses da consciência corporal e do controle das mãos e dos pés. Eles se envolviam no jogo, né? Se importavam mesmo com aquilo, dava ate briga as vezes. Coisa engraçada... Enfim, escrevo-vos para contar que estou prestes a concluir uma façanha e tanto. Domingo agora, dia 20, correrei uma maratona. Uma inteirinha. Os 42, 195K todinhos. Sim, vocês entenderam direito. Um quilometro pra cada apelido engraçado que me colocaram quando eu era gordinha e descoo
GOTTA RUN .Corro porque não tenho pressa. Já tive, e muita, mas com a corrida aprendi a desacelerar. Aprendi que poucos segundos são progressos gigantescos, e que não há nenhuma distancia que não possamos percorrer se tivermos constância, paciência e disciplina. Se em um dia a corrida “não encaixa”, cai mal e os minutos demoram a passar, corro no dia seguinte de novo pra tirar o gosto amargo da boca. E se a corrida flui, corro de novo - adicta que sou- só pra experimentar a liberdade e poder ilimitados que não se comparam a mais nada. Correr e um movimento humano, o próximo passo natural depois de andar e engatinhar. Na corrida somos só nos dois: meu Eu de hoje correndo contra meu Eu de ontem, numa disputa intensa, leal e sem perdedores. Correndo, dominamos nosso demónio interior que a cada metro nos diz que não iremos conseguir, que não somos capazes e que o melhor é parar. Correr não requer equipamentos caros ou regras complicadas. Não requer patrocínio. Apenas coragem de começar d